Resgate, Conservação e Preservação da Biblioteca Pública e o Arquivo Histórico Nacional apoiado pelo PNUD
Veja abaixo a entrevista do Sr. Iguba Djalo realizada no âmbito do trabalho de Resgate, Conservação e Preservação da Biblioteca Pública e o Arquivo Histórico Nacional apoiado pelo PNUD, através dos Fundos de Consolidação da Paz (PBF) no quadro do projeto de Estabilização Política e Reforma para a Construção de Confiança e Diálogo Inclusivo em parceria o FNUAP e a UNESCO.
Esta entrevista foi realizada pela IFLA- Federação Internacional de Associação de Bibliotecas e Instituições de informação.
Boa Leitura!
Parceria para reconstruir bibliotecas na Guiné-Bissau
No nosso workshop regional sobre a construção de bibliotecas fortes e sustentáveis na África Subsariana, Djalo Iaguba, em representação da Associação de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas da Guiné-Bissau, partilhou a história de como os bibliotecários locais trabalharam em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para reconstruir a biblioteca nacional do país, que se encontrava numa situação difícil depois de conflitos e cíclicas instabilidades politica.
Na entrevista abaixo, Djalo partilha mais sobre a experiência da Guiné-Bissau.
Qual foi a situação há três anos que o levou a agir?
Para falar da situação de há 3 anos, precisamos de olhar para o período anterior à independência. Neste período, a Guiné-Bissau atravessou uma longa guerra de libertação que culminou com a proclamação da independência em 1973. Assim, num contexto onde tudo estava a ser construído, havia o desafio adicional que era de substituir as infraestruturas destruídas durante os 11 anos de guerra. Isto se soma à organização da administração estatal, à criação de instituições para estruturar a sociedade e à construção da própria nação. Em 1998/1999, o país voltou a enfrentar um triste conflito político-militar que durou 11 meses, resultando numa tragédia que destruiu diversas infraestruturas económicas, sociais e culturais. Entre os edifícios destruídos estavam as bibliotecas, arquivos e serviços de documentação que, durante a guerra, foram utilizados como bases militares, resultando na destruição e saque de grande parte do acervo documental, equipamentos e materiais. A Biblioteca Pública e o Arquivo Histórico Nacional, que estavam sob a tutela do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), foram os mais atingidos, tendo perdido mais de 30% do seu acervo documental . Cerca de 34 bibliotecas públicas ou serviço de documentação e de informação foram destruídos. Foram vastos acervos em diversos formatos: textual, cartográfico, iconográfico, fílmico, microfilmado, sonoro e eletrônico. A maioria das bibliotecas, arquivos e serviços de informação fecharam as suas portas após o conflito, e os poucos que retomaram as suas atividades viram-se confrontados com instalações precárias, acervos insuficientes ou uma ausência total dos mesmos, constituindo um grande obstáculo ao progresso social e ao desenvolvimento económico e cultural.
Após a guerra, portanto, as bibliotecas e a memória nacional enfrentaram sérios problemas. Com o governo impotente para restaurar a memória nacional, a Associação Guineense de Documentalistas, Arquivistas e Bibliotecários (AGDAB) tinha apenas duas escolhas: cruzar os braços face a situação, e continuar num caminho insustentável que leva a deterioração de bibliotecas e coleções arruinadas, o que significava aceitar a ameaça existencial da profissão de bibliotecário e arquivista, ou tentar mudar o rumo dos acontecimentos enfrentando os desafios da reconstrução em apoio ao governo com a ajuda de parceiros. Ao mesmo tempo, as necessidades iam crescendo a todos os níveis, acompanhado de aspirações básicas das pessoas, os meios para as satisfazer dependia de recursos financeiros. Neste contexto, e face à persistente instabilidade política e social ligada ao peso das dificuldades financeiras, a AGDAB sentiu-se obrigada a agir com maior urgência desenvolvendo um projecto para “salvaguardar e preservar o património histórico e documental da Guiné-Bissau”. Este projeto teve início em 2022, e inclui a reabilitação parcial de infraestruturas, a aquisição de equipamentos e a renovação da Biblioteca e do sector de leitura. Os princípios do projeto são a valorização da memória e a preservação do patrimônio.
Mais especificamente, qual é o papel que as bibliotecas desempenharam nas políticas públicas do governo?
Após um século de colonização e 50 anos de independência, a Guiné-Bissau continua subdesenvolvida em termos de política bibliotecária e de leitura pública. Infelizmente, as dificuldades económicas aliadas a uma situação política muito turbulenta não permitiram perceber a importância das bibliotecas no processo de desenvolvimento económico, cultural, social e político. Com a celebração do 50º aniversário da independência da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 2023, havia todos os motivos para acreditar que o país tinha começado a encontrar o seu lugar de direito no concerto das nações. As bases jurídicas para uma verdadeira biblioteca nacional já são uma realidade, embora os mecanismos para o seu pleno funcionamento continuem a ser um desafio. Dizer que só existe uma biblioteca pública verdadeiramente nacional na Guiné-Bissau, ou uma biblioteca financiada pelo Estado e gerida por funcionários do Estado, pode parecer incrível, mas é a triste realidade cultural da Guiné-Bissau. As autoridades nunca reconheceram o papel vital das bibliotecas no processo de desenvolvimento. O país ainda não tem um plano nacional de leitura, e estas são entre outras ações que a AGDAB pretende levar a cabo com o governo num futuro próximo.
Como você planejou sua resposta?
A nossa resposta partiu antes de mais de um diagnóstico realizado sobre a situação das bibliotecas e do património histórico documental nas diferentes fases da história da Guiné-Bissau, publicado num livro sob minha autoria pela editora “Lisboa Internacional Press”. As conclusões deste estudo destacam as enormes dificuldades em termos de infraestruturas, equipamentos e pessoal qualificado no sector das bibliotecas para enfrentar os desafios que se avizinham. As mudanças políticas e as guerras que ocorreram ao longo da história recente da Guiné-Bissau tiveram um impacto negativo nas bibliotecas e impossibilitaram a implementação de políticas genuínas no sector de bibliotecas e da leitura. É por isso que, perante esta situação, a AGDAB, como parceiro fundamental do governo neste sector, decidiu intervir no projeto que visa salvar da ruína a infraestrutura de memória nacional. Dada a complexidade da situação e a escala do projeto, mobilizámos vários atores e parceiros nacionais e internacionais, incluindo o governo, líderes da sociedade civil e organizações internacionais como o PNUD e a UNESCO. O projeto foi lançado em 2020 e a primeira fase terminou em dezembro de 2022. As 4 principais áreas de atuação do projeto são: a reabilitação da infraestrutura interna da Biblioteca e Arquivo Nacional, a aquisição de equipamentos e reformas do enquadramento legal, e o arranque do processo de informatização e digitalização.
Quando você percebeu o potencial de colaboração com organizações internacionais?
Considerando as poucas bibliotecas existentes no país e a falta de financiamento governamental para garantir o funcionamento das mesmas, a AGDAB descobriu o potencial das agências das Nações Unidas no financiamento de atividades operacionais de ajuda ao desenvolvimento. Como resultado, a associação adotou estratégias de defesa para chamar a atenção das agências da ONU para a contribuição das bibliotecas para vários aspectos relacionados a Agenda 2030 da ONU e dos ODS como instituições públicas essenciais que têm um papel vital a desempenhar no desenvolvimento de todos os níveis da sociedade. O PNUD, por sua vez, reconhecendo o papel das bibliotecas no processo de desenvolvimento económico, social e cultural, sentiu a necessidade de criar formas de colaboração com a AGDAB para fazer avançar a Agenda 2030 global da ONU. Destaca-se a visão compartilhada de metas que incluem as bibliotecas nas agendas nacionais de desenvolvimento internacional.
O que você fez com eles? Qual foi a base da parceria?
A base da nossa parceria com organizações internacionais é a confiança que foi construída e a consciência das enormes dificuldades financeiras enfrentadas pelo governo da Guiné-Bissau. A Biblioteca Pública Nacional e o Arquivo Histórico, epicentro da memória nacional, foram onde a AGDAB concentrou a maior parte do seu apoio. Apesar dos esforços da AGDAB, o sector das bibliotecas ainda enfrenta grandes dificuldades e, para as ultrapassar, ainda é necessário um grande apoio de organizações internacionais.
Estamos orgulhosos de estar envolvidos no processo de reconstrução da Biblioteca Pública Nacional através de uma parceria tão inovadora com o PNUD através do fundo da consolidação da Paz na Guiné-Bissau. Além de disponibilizar recursos materiais, equipamentos para a recuperação de património ameaçado, temos conseguido realizar reformas legislativas no sector das bibliotecas e arquivos. Hoje, graças a esta parceria, jovens estudantes, investigadores e público em geral têm acesso à memória e à Internet de banda larga há 3 anos, o que era impensável antes do projeto AGDAB. Antes do projeto, a Guiné-Bissau não tinha legislação específica que regesse a organização e o funcionamento dos serviços nacionais de arquivos e bibliotecas. Em geral, a estrutura normativa foi construída a partir de pouco ou nada. Hoje, a Biblioteca e Arquivo Nacional beneficiam de legislação adaptada ao contexto atual.
Você acha que esse tipo de colaboração poderia ser estabelecida em outros países?
Sim, penso que este é um exemplo inspirador que pode ser usado por outros países em situação idêntica.
Veja abaixo as fotografias do projecto!
Antes
Depois