Relatos do terreno: o efeito do COVID-19 em Gabu
Em entrevista à Plataforma Na No Mon, o Delegado Regional do Plano e Estatística da Região de Gabu, Sr. Francisco Pereira, explica como a pandemia afetou os produtores de caju e os efeitos do COVID-19 na região.
O Sr. Francisco Pereira é o retrato da juventude guineense: nascido e criado e no país, concluiu seus estudos em Bissau, tendo duas licenciaturas, além de ter atuado como professor de matemática na Escola Nacional de Adminsitração (ENA) antes de assumir o cargo de delegado regional em Gabu. O Sr. Francisco está envolvido na implementação de diversos projetos no terreno, incluindo o projeto financiado pelo Multi-Partner Trust Fund (MPTF) com foco na subsistência dos mais vulneráveis e liderado por PNUD, UNICEF e WFP. O foco das atividades do PNUD está em mapear produtores vulneráveis de caju em Cacheu e em Gabu, além de fornecer equipamentos para o correto armazenamento da produção de caju que não foi vendida. Além dessas atividades, no âmbito da pandemia do COVID-19, o Sr. Francisco criou uma comissão de combate ao COVID-19 em Gabu denominada “Comitê de Pilotagem de Controle e Combate ao COVID-19”.
Qual é a importância da campanha de caju na economia familiar das populações da região de Gabu?
Sr. Francisco Pereira: A campanha de caju é o período de aumento significativo da economia familiar das populações da região de Gabu. É neste período que as famílias acumulam dinheiro e criam poupança. Com os resultados de venda de caju, conseguem pagar dívidas, comprar alimento para assegurar o período de lavoura, investem na agricultura familiar, compram roupas, pagam os professores das escolas comunitárias para garantir a educação dos filhos, etc. As despesas variam de acordo com as necessidades de cada família. Os produtores, que têm grande quantidade de caju, conseguem construir casas, enquanto alguns até fazem substituição da cobertura da casa de palha para zinco, por exemplo.
Como a pandemia do COVID-19 afetou a campanha de comercialização de castanhas de caju na região de Gabu?
Sr. Francisco Pereira: Não era de se esperar que os produtores tirassem o melhor proveito da campanha! Os maiores compradores de caju, quase em sua totalidade, são empresários estrangeiros de diferentes países da Ásia e da Europa. Os intermediários são pequenos negociantes (empresários nacionais) que compram caju junto aos produtores, de acordo com a disponibilidade financeira dos empresários estrangeiros. A declaração do estado de emergência pelo governo de Guiné-Bissau e consequentes dificuldades de viagens foram desafios para se ter uma campanha proveitosa de caju neste ano.
Quais são as principais dificuldades dos produtores atualmente?
Sr. Francisco Pereira: A principal dificuldade dos produtores atualmente é de conseguir alimentos para sua família. A maioria teve de vender a castanha de caju a um preço muito baixo, enquanto outros tiveram de fazer troca direta com arroz para poder aguentar o período da quarentena. Neste momento, já não possuem dinheiro para pagar a educação dos seus filhos em Gabu ou em Bissau, tampouco para cuidados de saúde. Realmente estão a racionalizar muito para não ficarem sem comida durante este período.
Pensando no futuro, como o senhor avalia as possibilidades para os produtores de caju no contexto pós COVID-19?
Sr. Francisco Pereira: Por um lado, se não for tomada nenhuma medida de contingência para minimizar as perdas econômicas e financeiras dos produtores, quanto mais durar a pandemia, maior será a vulnerabilidade dos produtores e da própria produção de caju. Por outro lado, seria interessante criar fundos de investimento no setor de caju não só para comprar o caju que resta, mas também para que os produtores possam ter acesso a créditos a fim de melhorarem a produção e investirem em outras fontes de rendimento.
Pensando nos agricultores e camponeses, quais foram os exemplos da resiliência das comunidades perante às dificuldades impostas pelo COVID-19?
Sr. Francisco Pereira: Pelas iniciativas dos agricultores e camponeses diria que não vejo nenhum exemplo eficiente, por se tratar de um período único (o da campanha de caju). É o momento em que o dinheiro circula na mão de toda população - até das crianças! O COVID-19 afetou todos os setores e todos eles ficaram parados sem nenhum plano de contingência. As alternativas criadas para suportar o período da pandemia foram a distribuição de gêneros alimentícios, dentre outros produtos, através do governo e de outros parceiros junto às comunidades. Um dos exemplos da resiliência é a criação de condição para que os produtores possam armazenar as suas castanhas de caju corretamente até a reabertura do mercado, quando poderão vender a produção a um melhor preço.
Em uma frase, o senhor poderia resumir as potencialidades da região de Gabu?
Sr. Francisco Pereira: A região de Gabu é grande produtora de gados, cereais, amendoim e tem vantagem grande na prática de comércio por fazer fronteira com dois países da sub-região: Guiné-Conacri e Senegal.