Agentes de Saúde Comunitária: a primeira linha na cadeia da saúde pública
"Sem saúde comunitária, é difícil conseguir que as pessoas vão para as consultas. Vamos até às comunidades para as sensibilizar". Valdimar Luis Mancanha, um trabalhador da saúde comunitária desde 2014, é claro a este respeito. Ele trabalha de mãos dadas com o seu colega Nosolino Sá no distrito de saúde de Safim, na Direcção Regional de Saúde de Biombo, e todos os dias visitam várias casas para falar com as famílias sobre questões importantes como o consumo de água limpa, diarreia, pneumonia, ou cuidados de recém-nascidos. "Quando começámos a trabalhar, enfrentámos algumas dificuldades porque a comunidade não compreendia realmente o que estávamos a fazer. Achavam irritante que estivéssemos lá, mas isso mudou ao longo do tempo", diz Valdimar.
A Declaração de Alma-Ata de 1978 identificou os cuidados de saúde primários como a chave para alcançar o objectivo de assegurar cuidados de saúde para todos, e a Guiné-Bissau foi uma pioneira global na saúde comunitária. De facto, a saúde comunitária floresceu no país entre 1977 e a guerra civil de 1997-1998. Durante o conflito, a ajuda internacional substituiu o apoio tradicional prestado pela população local aos profissionais da saúde comunitária, que chegava sob a forma de arroz cultivado localmente para ser trocado por cuidados de saúde. Mas após a guerra, quando o apoio internacional cessou e o apoio comunitário já não existia, o papel dos agentes comunitários de saúde também se extinguiu. A partir de 2012, com o apoio da UNICEF, da UE, do PNUD, e do Fundo Global, esse papel foi reavivado, e a segunda geração de trabalhadores começou a receber formação e a trabalhar nesse ano. "O sistema de saúde pública da Guiné-Bissau funciona a três níveis: nacional, regional e comunitário. A nível nacional, o Ministério da Saúde Pública é responsável pela gestão dos programas e dos hospitais de referência, localizados na capital do país", explica o Dr. Agostinho Ndumba, Director Geral de Prevenção e Promoção da Saúde. "A nível regional, existe uma Direcção Regional de Saúde e um hospital em cada uma das 11 regiões de saúde. Administrativamente, as regiões estão divididas em 114 áreas sanitárias e cada área tem vários centros de saúde. A nível comunitário, são os agentes de saúde comunitária que operam directamente com a população para fazer o contacto inicial". Na Guiné-Bissau existem grandes diferenças no acesso aos cuidados de saúde entre as zonas urbanas e rurais. De acordo com dados da UNICEF, estima-se que 66% da população vive a mais de 5 km da unidade sanitária mais próxima e os serviços de saúde estão concentrados principalmente em Bissau e nas capitais regionais.
Iankuba Indjai trabalha na tabanca de Gan-Tauda, na área sanitária de Bafatá. O seu trabalho faz principalmente parte da implementação da campanha de quimioprevenção do paludismo sazonal (QPS), recomendada pela Organização Mundial de Saúde para a África Subsaariana e promovida pelo PNUD e o Programa Nacional de Luta contra o Paludismo com o apoio do Fundo Global, mas não se limita apenas a isto. Tal como os seus colegas Valdimar e Nosolino, Iankuba é também responsável por 18 grandes questões de saúde, tais como educação sobre problemas de saúde existentes e métodos para os prevenir e tratar, cuidados de saúde materno-infantil, imunização contra grandes doenças infecciosas ou prevenção e controlo de doenças endémicas locais, bem como o fornecimento de medicamentos essenciais. "Todos os meses escolhemos quatro práticas sobre as que sensibilizamos a população", diz Nosolino. "O essencial é tornar as famílias conscientes de como atuar. Transportamos materiais de apoio e testes rápidos de rastreio de casos suspeitos de paludismo em crianças menores de cinco anos e mulheres grávidas. Fazemos sensibilização sobre tratamento preventivo intermitente para mulheres grávidas e sobre a distribuição de rotina gratuita de redes mosquiteiras impregnadas de longa duração (MILDA) durante a imunização infantil, independentemente da estação do ano".
Na sua visita à comunidade de N'Tussinho, Valdimar e Nosolino são acompanhados por Sisaltina Camara, de 30 anos, e pela súa bebé de quatro meses Juelce. Em ambas as gravidezes pelas que já passou, Sisaltina recebeu tratamento preventivo intermitente para mulheres grávidas em cinco das sete visitas pré-natais a que assistiu. "O nosso trabalho é essencial porque ajuda a sensibilizar a comunidade sobre os benefícios das visitas pré-natais gratuitas para as mulheres grávidas, para que elas saibam como se encontram os seus bebés ", reflecte Valdimar. O objectivo claro estabelecido pelo Ministério da Saúde Pública no país é reduzir a mortalidade materna e infantil. Segundo o último Relatório Mundial de Saúde da OMS, a mortalidade materna na Guiné-Bissau era de 667/100.000 em 2017, mais do dobro dos 315/100.000 no vizinho Senegal. Em termos de taxa de mortalidade neonatal, a África Subsaariana tem a taxa de mortalidade neonatal mais elevada do mundo, com 27 mortes por 1.000 nados-vivos e, de acordo com a mesma fonte, a mortalidade neonatal situou-se em 35 mortes por 1.000 nados-vivos na Guiné-Bissau. Os bebés com menos de 6 meses e as mulheres grávidas devem ser encaminhados para centros de saúde porque os agentes de saúde comunitários não têm os instrumentos para os tratar no terreno. "Normalmente prestamos primeiros socorros. Temos medicamentos básicos com os quais podemos tratar doenças não críticas, e isto reduz a superlotação nos centros de saúde", conta Nosolino. "Vemos do que as pessoas sofrem, e quando é necessário levar alguém ao hospital. No início as pessoas recusavam porque achavam que seria demasiado caro, mas depois de informarmos e sensibilizarmos e indicarmos quais os serviços que são gratuitos, já não há estas reticências em aceitar as consultas", conclui Iankuba.
Esta relação de confiança que se estabelece entre os profissionais de saúde comunitários e as pessoas das comunidades nas quais intervêm é a chave do sucesso da primeira linha da cadeia de saúde pública na Guiné-Bissau. Esta relação e a ligação directa entre estes trabalhadores essenciais e as instalações de saúde são fundamentais para fazer progressos significativos na construção de um sistema de saúde pública acessível e inclusivo para todos os guineenses e para alcançar o SDG 3 - Assegurar vidas saudáveis e promover o bem-estar para todos em todas as idades.